"A medida do amor é amar sem medida."
(Santo Agostinho)
Somei tudo que tinha nos bolsos e não tinha sido suficiente para o que eu queria obter. O seu retrato encima da estante me fez lembrar que era preciso de mais, muito mais. E não tinha mais nada. Passei pelos quartos e em cada um destrocei toda arrumação. E nada. Nada.... Na cozinha revirei as panelas, as frigideiras e todos inúteis recipientes de plástico e mais uma vez... Nada. Comecei a me desesperar com a idéia de não poder adquirir tal suvenir entorpecente. Atordoado, chorei.
Comecei sentir frio de uma forma avassaladora. A tensão anuviara tudo que estava ao meu redor e tive ânsia de vômito. Se tudo que estava sentindo era uma patética doença psicológica, não teria remissão a tempo de me desvencilhar dessa maldição. Após o vômito tomei mais uma dose de conhaque para aliviar o sabor dos ácidos estomacais que permaneciam na minha boca. O conhaque passou pela minha garganta fragilizada queimando tudo que encontrava no caminho. Porém as cólicas continuavam produzindo fortes dores e estranhos pensamentos passaram por minha mente.
Elizabete com asas de anjo defronte a margem do rio num suave crepúsculo pernambucano e nada mais decorava o seu corpo. Desejei estar munido com a minha câmera Leica e registrar aquele momento, porém não a tinha levado. Só levava comigo uma mente doentia e uma estúpida fantasia de carnaval grudada no meu corpo empapado de suor. Sentei num tronco de um coqueiro, a esmo no chão, e fiquei tranqüilamente fitando os seus gestos lacônicos. A emoção de ti ver tão bela era estonteante. Uma Vênus no poente de uma tarde púrpura a andar nas pontas dos pés como uma equilibrista na corda-bamba. O único som que se ouvia era de algumas aves ribeirinhas e a torrente do rio.
Como gostaria que perpetuasse aquele momento, mas depois o seu ventre deu sinal que o nosso crime lascivo tinha dado em merda. Passamos a nos angustiar a cada instante. Temia o que seu pai poderia fazer comigo. Na verdade eu temia tudo. O futuro, os seus pais, os meus, a porra do futuro, os meus amigos e principalmente você. Sim, você. A imagem que criara para te impressionar estava preste a cair em ruínas e o sentimento que, até aquele momento, desconhecia, estava me tomando por inteiro. Nunca pensei que era um covarde, um crápula, mas era. “Isso são coisas que estão entranhadas na nossa alma e a qualquer momento elas surgem como um fantasma a nos assombrar”, pensei naquela ocasião. Levei-te para matar o nosso amor e com algumas alfinetadas ele morreu numa cama fria, num quarto de um sobrado abandonado pelos proprietários. Morreu na mão de uma feiticeira desesperada por dinheiro fácil. Ele simplesmente morreu.
Você, mesmo fragilizada, me encarou com desdém, com nojo e eu também compartilhava desse mesmo maldito cálice amargo. Com a mente em torvelinho, me pus para fora daquele quarto e, mais uma vez, te deixei a esmo e seria a última vez que você me daria essa oportunidade. Depois daquele fatídico dia, não mais te veria. Na via pública, caminhei sem um destino concreto, porém não voltaria. Não era honrado voltar. A nossa historia tinha sido encerrada por um metal perfurante a destroçar a cabeça de um feto.
As minhas lembranças foram interrompidas abruptamente por astutos e farsantes lobos devoradores que esmurravam a minha porta a procura do verme que lá estava estabelecido para devidamente decapitá-lo. No meu isolamento degradante pus a me esconder debaixo da cama, porém era evidente que seria achado facilmente e fui. Arrastaram-me até o centro do quarto e um estrondo rompeu o meu crânio, salpicando, assim, o meu cérebro por todo quarto e por cima das roupas dos meus carrascos. Só pensei, depois, em pedir desculpas.
Texto de Osvaldo Barreto
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Um comentário:
Parabéns, Osvaldo Barreto.
muito bom.
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