domingo, 28 de janeiro de 2007

O dono do Lugar


Umbuzeiro. Juazeiro. Amava aquelas árvores. Eram próximas e se tocavam por galhos e folhas como um carinho que não tem fim. Muitas coisas já haviam ido. Elas não. Jamais o abandonaram. Nelas encontrava uma espécie de acalanto.
Era costume seu descansar ali, entre elas. Depois da lida.
Aquele era o seu chão. Sua terra. Foi ali que descobriu muito cedo que a vida era um milagre. Que tudo ocorria, nascia e morria pela e para a vida. Pensava nessas coisas ali, sentado sob suas árvores. Era tão rico. Sentado em suas raízes. Observava suas mãos. Pegou um punhado de terra e o apertava com intensidade, com paixão. Suas mãos estavam secas. Tais como sua mãe. Sua mãe terra. Veias se sobressaiam naquele conjunto de ossos e pele, denunciando uma força quase violenta. Como raizes cravadas. Como as raízes de suas árvores. Havia, porém, um cansaço. Já não era da lida. Em suas mãos. Em sua mãe. Já haviam se tocado tanto, se conheciam. Cuidavam-se. Bastavam-se.
Estiveram sempre muito juntos. Sempre estariam. Aquele era o seu lugar. “Eu sou o dono daqui”. Afirmava olhando para o sol.
Sulcos profundos em sua face revelavam uma história longa. Pegou sua quartinha e encheu seu copo com água. Era o último. Seus olhos também se encheram, ao observar a água. “Que água bonita!”... Aquele copo, aquela semente de açude, ali em suas mãos. Ali ausente em sua mãe. E o sol absoluto. Mesmo assim, sua fé não o acusava de impiedade. Era tanta luz! O gado morto. A paisagem árida. A terra dura, rachada. Ele vencido. Não em sua fé.
Sorriu. Um sorriso sem dentes. Mas era um sorriso. O importante era manter o sorriso.
Aquilo era amor. Aquilo era uma dor de amor. Parecia escutar o galo cantando, o chocalho do gado, o cheiro da lenha queimando, a vassoura penteando o chão, o barulho da água sendo retirada do tonel. Toda sua longa história aparecia ali inteira. E uma saudade com alegria de morte lhe invadia. O cheiro da terra... ah o cheiro da terra...
Continuava a senti-la em suas mãos com sofreguidão. Bebeu sua semente. Deixou cair lágrimas dos seus olhos cheios. Então, o ar pareceu tremer de calor. A queda daquelas lágrimas na terra causou um efeito diferente.
Ele virou semente. A terra o recebeu. Sentia-se numa rápida viagem, levado por forças para um lugar que não sabia qual era, mas sabia que deveria chegar. Chegou. Era um lugar manso, cheio de uma paz plena. Sentiu-se brotar. Uma cruz se ergueu. Um halo discreto de verde bordou a terra ao seu redor. Suas árvores se transformaram em brasas frias. Foi tanta luz!
Aquele era o seu lugar. Sempre seria.

Texto de Vitória Maria Barbosa
Imagem de Osvaldo Barreto

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