sexta-feira, 5 de outubro de 2007

Livra-me

Num cômodo escuro, Thelma agonizava em dor. Teria passado longas horas com os seus carrascos e agora tentava descansar. Longas horas de espancamento e estupro. Os olhos inchados com rodelas de hematoma desfiguravam o seu rosto e sentia a pele em fogo. No seu inconsciente ouvia vozes pouco nítidas que repetiam a mesma palavra. Vazio. Os maus espíritos da loucura a dominava e Thelma não tinha forças para desvencilhar-se desse mal. A imagem do homem chutando o seu rosto e depois rasgando a sua roupa persistia em massacrá-la. O grito seco reproduzia um ruído de dor. “Deus, por favor, não deixe que eles voltem”. Na boca ensangüentada, murmúrios desesperados brotavam em gotas de sons. “Em ti, Senhor, confio; nunca me deixes confundir. Livra-me pela tua justiça”. “Livra-me, meu Senhor”. “Livra-me!”.

Apática Thelma já não se encontrava no mundo real. Em devaneios tortos se via na mão da morte e o diabo era o seu serviçal. O sentimento de culpa espalhou-se pelo seu corpo causando repulsa por si mesmo. O sangre coalhado do seu rosto atraíram insetos desejosos em sobreviver com os restos de vida de Thelma. “Eles vão me matar”. “Vão me matar”. A mão trêmula adotou um comportamento deteriorado, estranho, enquanto a sua boca balbuciava palavras confusas. O farrapo humano respirava ofegante.

No seu estupor temporário a sua alma navegava em fatos de sua vida. Uma nesga de lembrança levou-a a sua infância. “Thelma vai morrer”. “Thelma vai morrer”. Era o que garotos gritavam enquanto Thelma estava em desvantagem no jogo que conhecia como queimado. “Vai, vai! Pega ela!”. Eram dois contra um. Suas amigas estavam todas no outro lado presas e impotentes perante a habilidade agressiva dos garotos. Era preciso pegar a bola e acertar nos seus oponentes, porém ela não tinha chance. Ficava de um lado para outro fugindo das bolas que disparavam como um foguete em sua direção até uma atingir em cheio o seu rosto. O sangue jorrou do seu nariz. “Morreu!!!”

Um barulho veio de outro cômodo. Tentou se concentrar no som, mas tinha dificuldade em fazer uma ligação lógica do que ouvia. A luz do quarto foi acesa. Pouco deu para perceber a luz com suas pálpebras inchadas. Dois homens entraram. Ela recuou até a parede. Sabia que seu corpo não agüentaria mais uma seção de tortura. Havia um objeto na mão de um dos homens. Não deu para saber o que era. Ele ergueu a pá e com um gesto definitivo esmagou a crânio de Thelma.

Na rua chovia muito. Uma luz imperceptível trafegava lentamente em direção ao seu destino. A morte chegou para Thelma de forma trágica e agora seu espírito bailava se desvencilhando das tristes gotas da chuva.

Texto de Osvaldo Barreto


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Um comentário:

Anônimo disse...

Osvaldo,

Agora você é escritor também? Bom saber...

Abçs,
Criss